Mudança de função sem acordo: isso é desvio de função? Quais os direitos do trabalhador?

Santos & Urel advogados | 18 de junho de 2025 às 20:00

A relação de trabalho deve ser pautada por transparência, boa-fé e respeito ao contrato firmado entre as partes. No entanto, é comum que empregadores alterem as funções dos empregados sem prévio aviso, sem reajuste salarial ou sem o consentimento do trabalhador. Esse cenário pode configurar o chamado desvio de função, uma prática que, embora recorrente, pode ser ilegal e passível de reparação.

O que é desvio de função?

O desvio de função ocorre quando o trabalhador, contratado para exercer determinada atividade, passa a desempenhar funções distintas ou superiores àquelas inicialmente acordadas, sem o correspondente reajuste salarial ou formalização contratual.

Exemplo comum: um atendente de loja que passa a cuidar do setor financeiro, ou um auxiliar que assume tarefas típicas de um analista. Isso, sem a devida alteração contratual e ajuste salarial, pode caracterizar desvio de função.

O desvio não se confunde com o acúmulo de função, onde o trabalhador mantém sua função principal e passa a desempenhar outras em paralelo. Ambas situações, contudo, podem gerar direitos adicionais ao trabalhador.


O que diz a legislação?

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) estabelece, em seu artigo 468, que:

“Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado.”

Ou seja, qualquer alteração de função deve ter o consentimento do trabalhador e não pode gerar prejuízos – seja financeiros, físicos ou morais.

A jurisprudência trabalhista também é clara. A Súmula 372 do TST determina que:

“O empregado que exerce função de confiança tem direito à manutenção da gratificação correspondente, enquanto estiver no exercício da função, salvo se houver justa causa para a reversão.”

Embora o foco da súmula seja gratificação de função, ela reforça a incompatibilidade entre função exercida e salário recebido.


Quando a mudança de função é permitida?

A alteração pode ser válida e legal quando:

  • Existe acordo formal entre as partes (contrato ou termo aditivo);
  • A função original contempla atividades variadas (ex.: cargos polivalentes);
  • A mudança decorre de necessidade transitória e emergencial, com retorno posterior à função de origem e sem prejuízo ao trabalhador.

Contudo, é considerada ilegal e abusiva quando:

  • O empregador impõe a mudança sem consultar ou informar o trabalhador;
  • Há mudança para funções que requerem maior responsabilidade ou qualificação;
  • O trabalhador passa a exercer tarefas mais complexas sem reajuste salarial;
  • A mudança é permanente e não está formalizada contratualmente.

Quais os direitos do trabalhador em caso de desvio de função?

Se comprovado o desvio de função, o trabalhador pode buscar:

  1. Diferença salarial: correspondente à função efetivamente exercida.
  2. Reflexos legais: sobre FGTS, INSS, 13º salário, férias, horas extras etc.
  3. Indenização por danos morais (em casos de humilhação, constrangimento ou sobrecarga).
  4. Rescisão indireta: se a situação for grave e persistente, é possível encerrar o contrato por justa causa do empregador (art. 483 da CLT).
  5. Reenquadramento funcional: com alteração do cargo e do salário de forma formal e definitiva.

Importante destacar que os direitos podem ser reclamados judicialmente, e o prazo para ajuizar a ação é de até 2 anos após o fim do contrato, abrangendo os últimos 5 anos de trabalho.


Como comprovar?

  • Documentos internos (comunicações, ordens de serviço, e-mails com atividades);
  • Testemunhas (colegas de trabalho que atestem o novo conjunto de funções);
  • Descrição oficial do cargo contratual x funções efetivamente exercidas.

Conclusão

O desvio de função fere diretamente os princípios da isonomia, legalidade e valorização do trabalho, e pode causar prejuízos materiais e morais ao trabalhador.

Caso você esteja passando por essa situação, registre as evidências, procure diálogo com a empresa e busque orientação jurídica especializada.

É direito do trabalhador receber compatível com aquilo que produz. E é dever do empregador respeitar o contrato firmado.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima