O que a lei diz sobre abordagens policiais, filmagens e os limites entre desacato, desobediência e abuso de autoridade?

Santos & Urel advogados | 04 de junho de 2025 às 07:00

Situações envolvendo abordagens policiais geram muitas dúvidas, especialmente sobre o que é legal ou abusivo. A tensão desses momentos pode levar tanto o cidadão quanto o agente público a ultrapassarem os limites da legalidade — o que torna o conhecimento jurídico essencial para evitar injustiças e proteger direitos.

Neste artigo, explicamos com base legal as práticas que podem configurar abusos, quais são os direitos do cidadão e os limites da atuação policial, sempre com responsabilidade e respeito institucional.


✅ 1. A abordagem policial precisa de justificativa legal

A abordagem policial é um instrumento legítimo de segurança pública, mas não pode ocorrer de forma arbitrária. A Constituição Federal de 1988 (art. 5º, II) estabelece que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

Segundo o Supremo Tribunal Federal, a abordagem pessoal depende de fundada suspeita (art. 244 do Código de Processo Penal). Isso significa que deve haver indícios objetivos que justifiquem a ação, como comportamento suspeito, denúncia, ou operação específica.

📌 Resumo legal:

  • É ilegal abordar alguém apenas por aparência, classe social, etnia ou local onde está.
  • A fundada suspeita deve ser concreta, não subjetiva.

✅ 2. Revista pessoal: é permitida, mas com limites

A revista pessoal também exige fundada suspeita. O artigo 244 do Código de Processo Penal determina que:

“A busca pessoal independe de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundadas razões, devidamente justificadas, de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos criminosos.”

Além disso, a dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III) deve ser respeitada. A busca não pode ser vexatória, violenta, nem feita com abuso de autoridade.

📌 Mulheres devem, sempre que possível, ser revistadas por policiais do sexo feminino, conforme diretrizes da Resolução nº 06/2010 do CNPCP.


✅ 3. Condução coercitiva sem flagrante pode ser ilegal

A condução coercitiva de cidadãos sem ordem judicial ou flagrante delito é proibida.

Conforme a Lei de Abuso de Autoridade (Lei nº 13.869/2019), conduzir alguém para delegacia ou qualquer repartição pública, sem previsão legal ou justificativa adequada, configura abuso de autoridade (art. 9º e 10 da Lei 13.869/19).

📌 Conduções para “averiguação” sem flagrante ou ordem judicial são inconstitucionais e podem gerar responsabilidade civil e penal do agente.


✅ 4. Posso filmar uma abordagem policial?

Sim. A liberdade de expressão e o controle social são garantidos pelo artigo 5º, IV e IX da Constituição Federal, e pelo entendimento do STF (RE 1010606, com repercussão geral).

Filmar ações de servidores públicos no exercício da função é um direito do cidadão, desde que não haja:

  • Interferência na ação policial;
  • Obstrução da via pública ou do procedimento;
  • Violação à intimidade de terceiros.

Tentar impedir filmagens pode configurar abuso de autoridade, conforme art. 15 da Lei 13.869/19.


✅ 5. Diferença entre desacato, desobediência e abuso de autoridade

Desacato (Art. 331 do CP):
Ofender o funcionário público no exercício da função.
➡️ Exemplo: xingar ou humilhar o policial.
🛑 Pena: até 2 anos de detenção.

Desobediência (Art. 330 do CP):
Recusar-se a cumprir uma ordem legal de autoridade.
➡️ Exemplo: se recusar a sair do veículo quando há ordem legal e fundada suspeita.

Abuso de autoridade (Lei 13.869/19):
É o excesso, desvio de finalidade ou a prática de atos ilegais por parte de agentes públicos.
➡️ Exemplo: revistar sem motivo, impedir filmagem, intimidar ou agredir.

⚠️ Nem toda ordem policial é legal. É essencial conhecer seus direitos para identificar ordens abusivas versus legítimas.


Dica prática: O que fazer se sofrer abuso?

  1. Mantenha a calma e registre tudo que puder (vídeo, data, local, nome da equipe).
  2. Não confronte o policial — exerça seu direito com respeito.
  3. Procure um advogado de sua confiança.
  4. Faça denúncia na ouvidoria da Polícia, Ministério Público ou Defensoria Pública.
  5. Guarde provas e testemunhas.

Conclusão

A segurança pública é um dever do Estado, mas deve ser exercida dentro dos limites da legalidade e dos direitos fundamentais. O respeito às instituições e o exercício da cidadania caminham juntos — conhecer a lei é a melhor forma de garantir esse equilíbrio.

Abordagens, revistas e conduções ilegais precisam ser combatidas com informação e ação legal.

Como cidadãos ou profissionais do Direito, temos o dever de fiscalizar e orientar com responsabilidade, sem hostilizar a atuação dos bons profissionais da segurança pública.

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